quarta-feira, 3 de junho de 2015

O dia do sufoco

A noite foi longa pra mim. Perdi o último ônibus que sai daquele velho e conhecido terminal, o Armênia. Morei naquela região e conheço histórias horrendas sobre a noite de lá. Fiz confusão e não percebi que o "carro" parado no ponto, estava quebrado. Pronto! Liguei em casa e avisei que teria de esperar até ás 4h30, que é quando a frota começa a rodar. Eram 00:40h. Entrei no ônibus que ainda esperava socorro e perguntei pro motorista se poderia ficar lá dentro, me protegendo do frio. Ele respondeu dizendo que "sim, claro. Fique a vontade, pelo menos até nos socorrerem". Entrei, sentei e começamos um papo. Éramos eu, o motorista e o cobrador. Falamos do frio, de como moramos longe e o que eu fazia aquela hora sozinha. Desse último assunto, expliquei que tinha ido à uma reunião de jornalistas e que havia terminado tarde. Eles perguntaram se eu estudava jornalismo e eu disse que sim, e que é minha paixão. Disse que queria fazer documentários e ele me disse: "Faça um sobre essa noite" Caímos na risada. Meia hora depois o socorro chega. Tive que sair do ônibus e esperar pelo próximo em outro lugar. "Mais a frente tem o ponto de táxi. Fica na frente de uma base da PM. Apesar dos apesares, o jeito é ficar lá." Conclui e fui. Cheguei lá e pus-me a sentar naquele banquinho duro. Uma luz fortíssima na cara e o vento que não perdoava. Foi treta. 1h, 2hrs, 2h30, 2h40, e não saía disso. Tive a impressão de que o tempo parou pra mim. Dormi, acordei, dormi de novo, acordei de novo e nada. Chega Luís, o taxista. 
"Perdeu o horário do ônibus né?" 
"Pois é, acontece" disse com aquele medinho básico.
"Qual deles você pega?" 
"Piratininga. Demora pra caramba"
"Eita! Entra aí, te dou uma carona até sua casa." Coração já estalou. 
"Pô cara, valeu mas, prefiro esperar. Daqui a pouco chega meu busão. Só mais uma horinha. Já tô aqui mesmo"
"Tá certo, tem que confiar desconfiando. Já levei um monte de gente pra aqueles lados. Pode ficar tranquila"
"Relaxa cara, tô bem. Posso esperar" 
17°, o relógio que parou nas duas e o banquinho mais duro do mundo. Porra! Pode piorar? Claro que pode! Surge uma vontade maluca de fazer xixi. "AAAAAAAH NÃO! Tudo fechado, onde diabos eu vou encontrar um banheiro ? Não vou procurar, essa hora não dá pra ficar panguando." Guentei firrrrme. Chega o moço que vende o cafézinho da madruga. Olho pro relógio e já eram 4hrs! Olhei pro céu e disse: "Deus, é nóis!" Levantei e olhei longe. Avistei um posto de gasolina. Fui trançando as pernas. Pense num posto deserto. Nenhuma alma sequer rondava por lá. Pensei; "Tenho as pernas longas e um agudo poderoso. Qualquer coisa, grito e corro." Puta banheirinho quente! Tava com tanto frio, que nem ligando pro cheiro de xixi velho, eu estava. Dois litros e meio de xixi, com certeza eu liberei. Voltei, conheci a frota de táxi todinha e parti de volta pro meu ponto. Esperei cerca de mais quarenta minutos pelo ônibus. Conheci mais uma figura da madrugada, que estava voltando do trabalho. Era caminhoneiro e morava no CECAP. Comentamos do frio e de como maramos longe. É sempre o mesmo assunto. Meu ônibus chega. Quente, lindo e cheiroso. Dei graças, saudei o motô, entrei, sentei e curti minha ida pra casa. Quase chorei de emoção. Parei pra pensar e percebi que meu sofrimento tinha acabado. O dos que moram na rua, não. Nessa madrugada passei por pelo menos dez moradores de rua. O frio que passei por quatro horas, eles vão passar todas as noite desse outono e inverno. Não é fácil. A noite não foi nada fácil e essa constatação final, foi desoladora. Tô bem. Apesar dos apesares, estou viva. Aprendi pra caramba essa noite. Nessa super noite de 75hrs. É gente, acontece!